Casos Práticos - Análises


Caso Mitchell Quy, “O Marido Perfeito”

Em meados de Dezembro de 1998, Lynsey Quy desapareceu de sua casa em Southport, Inglaterra. Apenas 18 meses após o seu desaparecimento, as autoridades responsáveis pelo caso conseguiram descobrir o paradeiro da mesma e o que havia acontecido. Durante esses meses, o seu marido, Mitchell Quy, passou a ser visto como um marido e pai exemplar que queria cuidar dos seus filhos, mesmo agora sem a sua esposa. Entretanto, não passava apenas de uma farsa.

   Para perceber melhor o que havia acontecido, é necessário realizarmos uma analepse e regressarmos no tempo. Aos de 17 anos, Lynsey engravidou do seu primeiro namorado e estava convencida de que continuaria a sua gestação. Porém, alguns meses após a gravidez, o seu relacionamento acabou e, Lynsey viu-se sozinha com uma gestação de já 5 meses.

   Foi neste período conturbado de sua vida que Lynsey conheceu o Mitchell, que era três anos mais velho que ela (isto é, ela tinha 17 anos e ele 20). Um dos atributos que mais chamou a atenção de Lynsey era a personalidade do Mitchell, pois o mesmo era uma pessoa encantadora, galanteador, que a levava sempre flores, prendas e sempre fazia as suas vontades. Após observar todas estas “supostas” qualidades, Lynsey viu em Mitchell a chance de ter um companheiro para cuidar do seu filho, então, essa paixão e suposta prospeção era tão grande que, após cinco semanas de relacionamento, já se encontravam casados.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

1)  Conforme Joe Navarro, ex-agente do FBI, no seu livro “What Every Body is Saying” e “Dangerous Personalities”, pessoas que são manipuladoras, ao princípio tendem a ser carismáticas, carinhosas, cuidadosas e cativantes para, assim, diminuir as nossas barreiras de defesa e os nossos pensamentos críticos, conseguindo mudar as nossas opiniões, e, acima de tudo, manipular-nos e induzir-nos a tomas de decisão.

2) Outra característica muito específica dos manipuladores é a impulsividade, isto é, a necessidade de terem aquilo que querem naquele exato momento ou o mais rápido possível. Como foi possível analisar neste caso, no qual Lynsey casa-se com Mitchell após apenas cinco semanas de relacionamento.


   Após o casamento, Lynsey conheceu o verdadeiro Mitchell, um homem extremamente agressivo, explosivo, raivoso e violento. O então marido passou a agredir fisicamente e psicologicamente a sua esposa, assim como passou a dormir com outras mulheres.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

3)  Segundo Tim Larkin, na sua obra “When Violence is the Answer”, as pessoas manipuladoras e, consequentemente agressivas, são cognominadas de “emocionamente instáveis”, pois não têm domínio sobre as suas emoções. Essas pessoas não dialogam por meio da lógica e apenas priorizam o seu próprio ego. Assim, como é possível observar no comportamento do Mitchell, alguém que mudou completamente após o casamento e, agora, é completamente egoísta e apenas foca nas suas vontades e necessidades.


   Após um ano do nascimento do seu primogénito, Lynsey encontrava-se grávida, mais uma vez. Porém, com medo de trazer um bebé a este lar tão instável, a mesma acaba por realizar um aborto. Assim que Mitchell descobre, espanca a sua mulher diversas vezes e acaba por sair de casa, passando várias noites a dormir com outras mulheres, como já referido.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

4)  Segundo, mais uma vez, Joe Navarro, ex-agente do FBI, no seu livro “What Every Body is Saying” e “Dangerous Personalities”, manipuladores como Mitchell tendem a ter uma vida promíscua, pois têm a necessidade de mostrar as outras pessoas e, principalmente aos seus parceiros, que conseguem satisfazer sexualmente as suas vontades e as vontades das outras pessoas.


   Ao passarem cinco meses separados, Lynsey volta a falar com Mitchell, muda de ideias e permite que o mesmo volte para casa, agora afirmando que quer ter um filho com ele. Quando Lynsey estava já na metade da sua gestação, Mitchell tem um ataque de raiva e acaba por destruir todo o interior da casa. Assim que Lynsey, que estava fora a trabalhar, chega à sua casa, depara-se com a mesma completamente destruída.

   Em outubro de 1997, seu filho, com o Mitchell, Jack, nasceu. Porém, no ano seguinte o seu marido volta a sair de casa, afirmando que nunca mais voltaria. Neste momento, Lynsey toma uma decisão muito acertada, a mesma procura estar rodeada de pessoas. Isto é, foi uma decisão bem tomada pois, quantas mais pessoas tivermos ao nosso redor, sejam amigos ou familiares, temos menos chances de sermos manipulador por outrem.

   Com a ajuda do “Women´s Aid”, um grupo de instituições de caridade em todo o Reino Unido, cujo objetivo é acabar com a violência doméstica contra mulheres e crianças, Lynsey mudou-se de casa com os seus filhos, para longe de Mitchell. O mesmo não foi notificado da nova morada da mesma.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

5)  O ex-agente do FBI, Joe Navarro, nas sua obras já mencionadas, afirma que quanto mais difícil for uma situação, mais tentados ficam pessoas manipuladoras, pois veem como um desafio. Como é o exemplo deste casal, no qual Mitchell fez com que Lynsey abortasse um filho seu, espancou-a, destruiu a sua casa, fez com que a mesma fosse para longe e, agora, tem como objetivo trazê-la de volta para “casa”.


   Após alguns dias, Mitchell consegue contactar com a sua esposa e acaba por convencê-la a deixá-lo ver o seu filho, o pequeno Jack, no seu primeiro aniversário. A partir deste dia, Mitchell consegue convencê-la também a reatarem o relacionamento e a voltarem a viver juntos. Entretanto, desta vez pede a mesma para não contar a ninguém, assim, manter em segredo o facto de estarem juntos mais uma vez.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

6) Outro ponto importante a referir, o facto de os manipuladores terem a noção de que, quanto menos contacto a vítima tiver com outras pessoas, mais fácil são manipuláveis, pois apenas ouvem aquilo que vem deles.


   No dia 11 de dezembro de 1998, Lynsey, junto com a sua mãe, começaram os preparativos para o Natal. Decoraram a casa, escolherem prendas e planearam todo o dia festivo. Já ao final do dia, a sua mãe vai levá-la a casa. Esta foi a última vez a que a sua a viu com vida.

   A última aparição datada de Lynsey foi a 15 de dezembro. Já na véspera de Natal, a 24 de dezembro de 1998, a sua mãe tenta contactá-la para entregar as prendas dos seus netos, porém, não obteve êxito.

   Lynsey encontrava-se desaparecida por 53 dias e, a 5 de fevereiro de 1999, uma assistente social da “Woman´s Aid” notou a sua ausência e o facto de nunca mais ter voltado lá. Durante esses dias, Lynsey não foi tida como desaparecida, nem pelo seu marido (que supostamente esteve sempre com ela, uma atitude muito suspeita), nem pela família (que não conseguia contactá-la).

   Nos dezoito meses que se seguiram, nos quais Lynsey ainda se encontrava desaparecida, Mitchell mantinha a mentira de que era um “marido abandonado que iria cuidar dos seus filhos sozinho”, pois, segundo ele, a sua esposa havia fugido com outro homem.


- Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

7) Nesse momento, os próprios investigadores do caso já puseram em prática uma das principais técnicas utilizadas na linguagem corporal. Isto é, o MR (Monitoramento de Realidade), que consiste em perceber a realidade das outras pessoas e em como elas veem o mundo.


   Assim, o Mitchell afirmava (com o objetivo de manipular a história), que a sua esposa tinha fugido com outro homem e que deixou os seus dois filhos para trás, abandonando-os. Porém, ao aplicar o MR, vamos buscar o histórico de Lynsey. A esposa já havia fugido do Mitchell outras vezes, evitou ter um filho do mesmo e sempre priorizou ficar com os filhos (mudando-se para outra casa com os mesmos). Isto é, como é suposto que, de uma hora para outra, a Lynsey tenha fugido com outro homem e abandonado os seus filhos se ela sempre cuidou e zelou muito bem deles? Não faz qualquer sentido.

   Para os investigadores daquele caso também não fazia sentido. Assim, intensificaram as investigações sob o marido, Mitchell Quy. O mesmo ia a diversos programas de televisão e fazia várias poses para fotos com os seus filhos.


   - Análise Comportamental: O COMPORTAMENTO DE MITCHELL

8) Conhecido como S3 pelo protocolo SCANS, as ações do Mitchell é cognominada de “Manutenção de Aparência”. Basicamente, é quando os suspeitos tentam criar uma imagem para o público para pensarem que eles são boas pessoas, muito simpáticas e amorosas. Isto é, o suspeito põe-se numa situação de dificuldade e tristeza, para que as outras pessoas vejam neles alguém muito forte, resiliente e amoroso com aqueles que permaneceram ao seu lado.

9) Outro ponto importante é o seu comportamento impulsivo. Comportamento que está fortemente ligado à arrogância, por isso estava sempre a ir a diferentes programas de televisão, pois ao seu ego fazia bem e fazia sentido. Assim, ele pensava: “Estou a mostrar a todos que sou bom e, ao mesmo tempo, a enganá-los”.

 

   Essa falsa sensação de impunidade e de que nunca iria ser apanhado fez com que o mesmo cometesse dois erros:

  • C4 (Protocolo SCANS – Ato Falho) Numa entrevista, enquanto fala da sua mulher, que até então estava apenas desaparecida ou, segundo a sua versão, havia fugido com outro homem, ele comete um erro frásico. A sua primeira frase foi: “Ela foi uma ótima mãe” e depois corrigiu: “Ela é uma ótima mãe”.

Assim, devido as pressões sociais e cognitivas daquela entrevista, Mitchell acaba por entregar parte da história verdadeira sem que ele queira.

 

  • O segundo ponto também está relacionado com a sua soberba. Durante as suas últimas entrevistas, Mitchell expressava uma micro expressão de felicidade sempre que dizia que não era o assassino da esposa.

Assim, a ativação da AU6 (Orbicularis Oculii) e a elevação da AU12 (Zigomático Maior)

   Esse fenómeno foi analisado e observado por Paul Ekman e é chamado de Duping Delight. Isto é, quando o mentiroso sente a satisfação de que tudo já correu como planeado e ele está a conseguir livrar-se da culpa com as suas explicações mentirosas. Por outras palavras, é a felicidade que um mentiroso pode sentir quando acha que conseguiu enganar os outros.

   A verdade é que, esse conjunto de evidências comportamentais só deixou a polícia mais desconfiada e a investigar cada vez mais fundo.

   No dia 7 de junho de 2000, a polícia chegou a conclusão de que Lynsey havia morrido um pouco depois do dia 15 de dezembro de 1998. Ao chegarem a casa de Mitchell e ao levá-lo a um interrogatório, após um dia e meio sem dizer uma palavra, o mesmo acabou por confessar, na noite do dia 8 de junho, que ele tinha escondido o corpo de Lynsey com a ajuda do seu irmão. O assassino também concordou em mostrar à polícia onde estava o corpo da mesma, porém confessou que só o tronco e as pernas seriam encontrados pois as mãos e a cabeça tinham sido escondidas pelo seu irmão.

   Em suma, o Mitchell estrangulou a sua esposa por mais de 20 minutos e, em seguida, com a ajuda do seu irmão, cortou-lhe as mãos e a cabeça para que nunca fosse identificada.


   Este caso foi escolhido devido a sua relevância na ciência da análise da linguagem corporal. Isto é, foi um caso que influenciou muitos pesquisadores, psicólogos e juristas a perceber ainda mais o comportamento delituoso. Muitos investigadores da altura tinham a certeza que ele o Mitchell estava a mentir, mas não sabiam como provar.

   Assim, dentre vários pesquisadores, um dos entusiastas que observava com atenção esse caso, era Cliff Lansley, CO-FUNDADOR da Emotional Inteligence Academy, no Reino Unido. Lansley foi também um dos cocriadores do protocolo SCANS, o único protocolo científico de análise não verbal do mundo (que contém, no mesmo, o protocolo FACS, do autor Paul Ekman).

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